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quinta-feira, 20 de abril de 2017

Vantagens de circundar nossos objetos de desejo


(...) a beleza, tanto quanto a verdade, pode ser descrita nos termos da mesma fórmula clássica: elas são “uma unidade na multiplicidade”.[1]


Admiramos cenas como o pôr do sol, as grandes quedas de água em forma de cachoeira, as nuvens, assim como o oceano visto do alto das montanhas ou as cidades observadas à noite na escuridão silenciosa do campo. Tais imagens nos fascinam ao irradiar mensagens de infinitas interpretações. Podemos também acrescentar com relação a esses cenários a apropriação de sensações que parecem escapar à compreensão humana. Nesse sentido, somos capturados pelo mistério de tamanha beleza que mergulhamos em uma bolha imaginária flutuante, que nos proporciona êxtase por alguns segundos.
Desse modo, outras imagens de semelhante poder são criadas em nossa mente, obedecendo ao contexto em que nos encontramos – geralmente estamos angustiados e no lado oposto a essas maravilhas. E assim, podemos dizer, ao confrontarmos mundos diferentes, mas de localização segura, que somos tragados pela busca no outro daquilo que se encontra ausente em nós naquele momento.
Essas respostas oportunas entre opostos fazem nos movimentar ao mesmo tempo em que incorporamos aquilo que admiramos e somos alimentados por essas visões realizadoras de completude. Desse modo, por estarmos distantes do elemento admirado, não vemos suas contradições e nos comunicamos apenas com o que nos provoca aquilo que nos faz de certa maneira seres incompletos e em constante busca de realizações.
Nesse sentido, enquanto não colocamos em prática essas sugestões fascinantes oferecidas por cenários, contextos sociais e outros, contentamo-nos em estar próximos desses objetos de desejo. Assim, gozamos das sensações prazerosas geradas pela órbita que estamos fazendo em torno desses objetos pretendidos.
Na medida em que colocamos definitivamente em prática os objetivos ambicionados, isto é, tornarmo-nos semelhantes àquilo em que acreditamos, ou adquirimos os produtos almejados, automaticamente, outras lacunas são despertadas e novas soluções surgem na imaginação.
É comum em certos rituais como o casamento, talvez fruto de um namoro que durou algum tempo, certa distância segura do sonho imaginado de ambos, isto é, não tentam colocar em pratica os ideais imaginados. Assim, durante essa fase, uma bolha imaginária de um lar feliz alimenta o casal antes do encontro definitivo, mas após a realização do evento, os anos seguintes podem ser de angústias e brigas, geradas, talvez, por não se acreditar mais em novas promessas.
Nesse sentido, o que passou a prevalecer na relação do casal foram os elementos antagônicos. E, por causa da descrença entre ambos em ideais compartilhados, as bolhas imaginárias e encantadoras se enfraqueceram e deixaram transparecer uma realidade incômoda e desgastante de obrigações entre ambos.
A ausência de novos objetos desejados e compartilhados pelos amantes, como um apartamento ideal, um carro dos sonhos, viagens inesquecíveis, filhos adoráveis, fez com que a rotina diária e empobrecida de encantos viesse a tomar frente nas ações.
Assim, as ações cotidianas não conseguiram incluir em uma só bolha imaginária o sonho de ambos, sendo dois horizontes opostos despertados, e a cada dia as ações ou compromissos se encarregaram de abrir o abismo na relação construída pelo casamento.
Ideais imaginários se somam quando se estabelecem certas hierarquias de desejos, por exemplo, neste ano vamos viajar e no outro vamos começar a pagar um apartamento, e assim por diante. Cada passo corresponde a um estímulo de atração para a busca de algo que possa servir de ponte entre a situação em que nos encontramos e as soluções ideais, funcionando como forma de tatear o contexto em que estamos pisando à procura das condições imaginadas como preferidas.
Sendo assim, o que fazemos no cotidiano são ações semelhantes às do cego, pois como desconhecemos o que poderá nos acontecer no momento seguinte, ficamos constantemente explorando o contexto à nossa volta pela visão, olfato, com perguntas como: o que está acontecendo? Para onde vou? O que devo fazer?
No entanto, essas indagações tateantes na maioria das vezes são ações reais, isto é, “farei isso ou aquilo e vamos ver o que acontece”. O cotidiano torna-se laboratório de experimentos e as próprias pessoas se fazem de cobaias, cujos resultados podem provocar sequelas ou até mortes.
E para evitar que nos tornemos bodes expiatórios de empreendimentos próprios, temos que aprender a circular numa distância segura de certos ideais de perfeição, ou seja, seguir alguns ditados populares: “Não vá com muita sede ao pote”; “O telhado é de vidro”; “Estamos pisando em ovos”.
Isso ocorre porque estamos trabalhando com base em projeções, cujo desenrolar dos acontecimentos depende da participação de outros elementos que não podemos controlar e de nós mesmos, e por encontrarmo-nos presentes na realidade, nossa visão é distorcida, já que não temos a totalidade para agir objetivamente.
Fazemos parte de uma realidade construída na maioria das vezes a partir das ausências, isto é, aquilo que nos falta pode servir para abrir horizontes e até estruturar ou justificar ações cotidianas de curto prazo. Nesse sentido, muitas pessoas não conseguem se livrar de rotinas fatigantes, pois orbitam frequentemente em torno de problemas crônicos.
De outro lado, também podemos circular ao redor de sonhos ou fantasias que nos incitam a lutar com fundamentações elaboradas em visões múltiplas geradas pelos ideais, já que com esses, por serem virtuais, podemos abusar das possibilidades e abstrações. Desse modo, investimos em aparências que possam transmitir a sensação de que estamos protegidos pela força das metas desejadas. E nesse aspecto há vantagens em circularmos os objetos de desejo positivos, pois eles funcionam como elementos estimuladores de ações cujo poder expansionista sobre conceitos projetam novas intencionalidades nas práticas concretas.
Quando permanecemos ao redor de pessoas que amamos, respeitamos, e nas quais acreditamos, ou somos rodeados por elas, de certo modo criamos uma rede de proteção capaz de irradiar coragem a elas e ao mesmo tempo de animá-las a prosseguir rumo aos objetivos traçados. Nesse caminho está a valorização do trabalho em equipe e das redes sociais.
Tal mecanismo de proteção exige do indivíduo certos movimentos, por exemplo: clicar, piscar, gritar, cantar, dançar, falar, sorrir, entre outros. Dessa maneira, assegura-se o vínculo para permanecer mergulhado na “bolha”[2], abrigado por um envoltório de confiança que impede a invasão de elementos contrários ou críticos àqueles já incorporados.
Quando conseguimos adentrar em uma dessas bolhas, sentimo-nos sacudidos por sensações prazerosas e tendemos a fazer com que ela nos acompanhe em outros lugares, tais como a casa, o lazer e o trabalho. Assim, aqueles que conseguem isso são reconhecidos por agirem de forma semelhante em diversos ambientes que frequentam. Vejamos: “O Pedro está sempre sorrindo”; “Joana está cada dia mais animada”; “Nunca vemos o Paulo reclamar de nada na empresa”; “A Mônica sempre nos atende com um sorriso”; “Com o Júlio não tem dia triste no trabalho”; “O Fernando é a alegria da festa”.
Pessoas com essas características geralmente gostam muito do que fazem, acreditam que estão realizando seus sonhos e, por isso, brilham nos ambientes em que se encontram. De algum modo, procuram não se afastar de suas metas, perseguem e circulam objetos de desejo, mesmo que estejam distantes.





[1]CASSIRER, 2005, p.235.
[2] Entendida aqui no sentido de conjunto de valores capazes de neutralizar dúvidas sobre aquilo em que confiamos, espécie de escudo capaz de isolar a mente em uma certeza satisfatória, cuja permanência nessa condição alivia o sofrimento.