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domingo, 18 de dezembro de 2011

Botucatu e sua arquitetura histórica

Prof.Joaquim Luiz Nogueira, Historiador, Pedagogo e Mestre em Comunicação e semiótica pela PUCsp.
                                                                         Saiba nais sobre o autor: http://jolnogueira.wix.com/gestaodosucesso#!gestarsucesso/mainPage


Um dos elementos que nos atrai nessa arquitetura histórica botucatuense é o emprego da chamada Art Nouveau (Arte Nova), com origem na França do século XIX, espalhou-se para outros países e chegou ao Brasil a partir do Pará, segundo Freyre:
(...) a progressiva capital do Pará nos grandes dias da borracha, em papel coché. Luxo que se conciliava com os dos boulevards, o das obras de ferro rendilhado mandados vir da Europa já feitas por artistas europeus, o dos jardins, o da arquitetura Art Nouveau, com que o chamado “oligarca” abrilhantava a Velha Santa Maria do Belém. E do Pará espalhou-se pelo Brasil. (FREIRE, 1959 p. 474)




A origem da guirlanda, assim como da roseta, de acordo com o Professor de mitologia americano Joseph Campbell, ambas nos remetem as antiguidades orientais e a simbologia do circulo ou da mandala:
Mandala é a palavra sânscrita para “circulo”, mas um circulo que é montado ou desenhado simbolicamente, o que lhe permite adquirir um significado de ordem cósmica. Ao compor mandalas, você está tentando coordenar seu circulo pessoal com o universal ( CAMPBELL, 1990 p.227.



Mas, voltando ao arranjo floral do prédio da Rua Amando de Barros, podemos observar que no interior da Roseta temos um elemento que foge ao orientalismo e nos instiga a perguntar o significado. E para decifrarmos o enigma, Gilberto Freyre nos fala sobre a tentativa dos portugueses em mesclar motivos florais e zoomórficos na arquitetura:
A união da escultura decorativa oriental com a arquitetura ocidental, levada pelo português da Europa ao Oriente, tomou relevo em edifícios não só monumentais, como médios construídos desde o século XVI no Oriente. Talvez venha dessa união de escultura decorativa de gosto oriental – embora essa própria estrutura o português a tenha adaptado as condições não europeias, principalmente tropicais, de clima, de luz, de ecologia, valendo-se ao que parece, de lições para ele aprendidas como mouro desde dias remotos – o desenvolvimento no Brasil e no próprio Portugal, da utilização em frontões e portas de igrejas e não apenas na decoração de exterior ou interior de palácios, de motivos florais e zoomórficos inspirados na natureza tropical: abacaxis, palmas, leões. (FREYRE, 1962, p.196).

Nesse caso ficaremos com a sugestão de Freyre, isto é, o artesão incluiu uma folha de palma, vegetação de caatinga, mas é encontrada em diversas regiões brasileiras. E se observarmos com mais atenção, ainda vemos traços que cruzam a folha, mesmo que o artista prefira as terminações curvilíneas do Art Nouveau nas extremidades. E logo abaixo, outro edifício decorado com elementos florais e zoomórficos, também mostra a figura de um leão inspirada na natureza tropical.



Vejamos mais um edifício botucatuense cuja fachada apresenta dois leões e ambos estão com seus corpos voltados para uma miniatura de torre em forma de botão de flor, e que desabrocha como cálice, continuando fortalecida para produzir novamente novas gerações semelhantes.


De acordo com Edgar Morin, a arquitetura do final do século XIX e início do século XX conserva traços da cultura ilustrada, cujos ornamentos mostram uma necessidade de uma civilização da força, do poder e da riqueza:
A cultura ilustrada aparece como uma espécie de supercultura, uma quintessência, o suco mais sutil que a sociedade pode produzir. E isso tem dado como resultado, até as crises recentes, sua extrema valorização aos olhos tanto dos seus possuidores como daqueles que não a têm. Ela parece, de fato, conter a um tempo uma universalidade essencial (...) e, por isso mesmo, a espiritualidade que é a máscara, a falta, o ornamento, a necessidade de uma civilização da força, do poder e da riqueza. (MORIN, 2006,p.81,82).
No Brasil do final do século XIX e início do século XX, as riquezas advindas das culturas da borracha na Região Norte e da cafeicultura no Sudeste, introduziram soluções arquitetônicas sofisticadas por mesclas culturais:
Os palacetes e casarios do potentado local (...) introduziram soluções arquitetônicas sofisticadas, pontuadas por orientalismo, colunas greco – romanas, volutas e rebuscada curvas art nouveau, que pasmavam as vistas daqueles recém desembarcados (SHAPOCHNIK in SEVECENKO, 2006, p.197).



A mescla de diversos elementos culturais na arquitetura brasileira desse período corresponde, segundo Francastel, no empenho artístico em fixar elementos móveis do contínuo que foge da percepção, juntamente com sistemas lineares, estabilizados e simétricos:
Os artistas do final do século XIX e início do século XX empenharam-se em fixar elementos móveis do contínuo que foge da percepção para integrá-los em sistemas abertos e não mais rigorosamente simétricos, isto é, estabilizados, eles se esforçaram por aprofundar a experiência do ritmo. (FRANCASTEL, 1993, p.197).
Os arranjos arquitetônicos do prédio acima trabalham com a ideia de linearidade mesclada as curvas elegantes do arco romano, acrescentadas as guirlandas e máscaras da Art Nouveau. Não faltando o toque das colunas gregas, orientalismos e as janelas semelhantes a portas para aproveitamento do clima e da luz em áreas tropicais.


Na imagem abaixo, temos uma fachada que empregou duas máscaras humanas em estilo Art Nouveau:


Ainda na mesma rua, encontramos um prédio com traços da arquitetura chamada Jesuítica, muito comum nas construções das missões no Sul do Brasil, mas não deixa de incorporar rosetas e no alto de suas colunas a concha, que segundo Vlademir Alves de Souza, pertence ao estilo rococó francês (1715-1774), reinado de Luis XV. (SOUZA, 1980, p.61)



E na esquina da Rua Floriano Peixoto com a Av. Santana, temos uma obra maravilhosa da arquitetura eclética ou histórica, pois mescla elementos culturais, tais como: orientalismo com máscara de leões e rosetas, Art Nouveau, arco romano e traços da arquitetura jesuítica.




A imagem enigmática situada dentro do arco e que figura uma ave de asas abertas, mas que, no lugar das penas, localizam-se florais simulando voo, significa a criatividade regional, que segundo Lúcio Costa, é produto espontâneo das necessidades e conveniências da economia e do meio físico e social. (COSTA, 1980, p.11).

Veja também
http://gestaodosucesso.blogspot.com/2011/10/uma-leitura-da-fachada-da-escola.html

Referencias Bibliográficas

CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. (Entrevista a Bill Moyers). Org. Betty Sue Flowers. Trad. Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Palas Athena, 1992.
_________, Joseph. Imagem mítica. Campinas, São Paulo: Papirus 1994.
COSTA, Lúcio. Arquitetura. Rio de Janeiro: Bloch Fename, 1980.
FRANCASTEL, Pierre. A realidade figurativa. São Paulo: Perspectiva, 1993.
FREYRE, Gilberto. Ordem e Progresso. Rio de Janeiro: Editora José Olimpio, 1959.
______, Gilberto. Vida, forma e cor. Rio de Janeiro: Record, 1987.
MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: neurose. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.
______, Edgar. Cultura de massas no século XX: Necrose. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.
______, Edgar. O Método 5: a natureza da natureza. Porto Alegre: Sulina, 2005.
SCHAPOCHNIK, Nelson. Catões-postais, álbuns de família e ícones da intimidade in SEVCENKO, Nicolau. (org.) História da vida privada V.3. República: da Belle Époque à Era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p.423-512.
SOUZA, Vlademir Alves de. Artes Plásticas II V.9 Rio de Janeiro: Bloch Fename, 1980.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Acreditar é humano

Esse é mais um texto de MARCELO GLEISER que faço questão de divulgar em meu blog. Em negrito, algumas frases que selecionei como de grande importância no texto.

MARCELO GLEISER

Acreditar é humano

A religião nasceu da união de reverência e necessidade. E, assim, continua definindo como a maioria vê o mundo

O ser humano é um animal acreditador. Talvez esse seja um bom modo de definir nossa espécie. "Humanos são primatas com autoconsciência e a habilidade de acreditar." Já que " acreditar" sempre pede um "em quê?", refiro-me aqui a acreditar em poderes que transcendem a percepção do real, algo além da dimensão da vida ordinária, além do que podemos perceber apenas com nossos sentidos.

Eu me pergunto se a necessidade de acreditar em algo (não uso a palavra "fé", pois essa tem toda uma conotação religiosa) é consequência da consciência. Será que outras inteligências cósmicas também acreditam?

Parece que somos incapazes de viver nossas vidas sem acreditar na existência de algo maior do que nós, algo além do "meramente" humano. Bem, nem todos nós, mas a maioria. Isso desde muito tempo. Para os babilônios e egípcios, os céus eram mágicos, a morada dos deuses, ponte entre o humano e o divino. Interpretar os céus era interpretar mensagens dos deuses, muitas vezes dirigidas a nós mortais.

Essa divinização da natureza é muito mais antiga do que a civilização. Pinturas rupestres, os símbolos mais antigos da expressão humana, já demonstram a atração que nossos ancestrais nas cavernas tinham pelo desconhecido, sua reverência por poderes além de seu controle. As pinturas de animais representavam encantamentos, uma mágica gráfica criada com o objetivo de auxiliar os caçadores em sua empreitada, cujo sucesso garantia a sobrevivência do grupo.

Fico imaginando o poder que essas imagens -que dançavam à luz do fogo- exerciam sobre o grupo reunido na caverna, uma tentativa de recriar a realidade para ter algum controle sobre ela. A religião nasceu da combinação de reverência e necessidade. E assim continua, definindo como a maioria dos humanos vê o mundo.

Mesmo após termos desenvolvido meios para explorar fontes de energia da natureza, estamos ainda à mercê dos elementos. Muitos chamam enchentes, tornados, erupções vulcânicas ou terremotos de atos divinos, representando forças além do nosso controle.

A ciência, claro, atribui esses desastres a causas naturais, o que acarreta abandonar a crença de que a fé pode nos ajudar de alguma forma a controlá-los. Fica difícil, hoje em dia, rezar para o deus do vulcão ou para o deus da chuva.

Esse é um desafio para a ciência e para os seus educadores: a ciência pode explicar, às vezes prever e, até certo ponto, proteger-nos de desastres naturais. Porém, não pode competir com o poder da crença na imaginação humana, mesmo na completa ausência de evidência de que possa nos proteger contra desastres naturais.

O mundo estava cheio de deuses no início da história da nossa espécie e, para muitas pessoas, assim continua. A resposta, parece, não é tentar transformar a ciência numa espécie de deus, substituindo uma crença por outra, mas, ao contrário, mostrar que vidas podem ser vividas sem a crença em poderes divinos cuja intenção é nos manipular, seja para o bem ou para o mal.

Talvez a maior invenção da vida na Terra tenha sido essa espécie de primatas com a capacidade de imaginar realidades que a transcendem.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita"

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/14143-acreditar-e-humano.shtml Acesso em 11 de Dezembro de 2011.