(...) a beleza, tanto
quanto a verdade, pode ser descrita nos termos da mesma fórmula clássica: elas
são “uma unidade na multiplicidade”.[1]
Admiramos
cenas como o pôr do sol, as grandes quedas de água em forma de cachoeira, as
nuvens, assim como o oceano visto do alto das montanhas ou as cidades
observadas à noite na escuridão silenciosa do campo. Tais imagens nos fascinam
ao irradiar mensagens de infinitas interpretações. Podemos também acrescentar
com relação a esses cenários a apropriação de sensações que parecem escapar à
compreensão humana. Nesse sentido, somos capturados pelo mistério de tamanha
beleza que mergulhamos em uma bolha imaginária flutuante, que nos proporciona
êxtase por alguns segundos.
Desse
modo, outras imagens de semelhante poder são criadas em nossa mente, obedecendo
ao contexto em que nos encontramos – geralmente estamos angustiados e no lado
oposto a essas maravilhas. E assim, podemos dizer, ao confrontarmos mundos
diferentes, mas de localização segura, que somos tragados pela busca no outro
daquilo que se encontra ausente em nós naquele momento.
Essas
respostas oportunas entre opostos fazem nos movimentar ao mesmo tempo em que
incorporamos aquilo que admiramos e somos alimentados por essas visões
realizadoras de completude. Desse modo, por estarmos distantes do elemento
admirado, não vemos suas contradições e nos comunicamos apenas com o que nos
provoca aquilo que nos faz de certa maneira seres incompletos e em constante
busca de realizações.
Nesse
sentido, enquanto não colocamos em prática essas sugestões fascinantes
oferecidas por cenários, contextos sociais e outros, contentamo-nos em estar
próximos desses objetos de desejo. Assim, gozamos das sensações prazerosas
geradas pela órbita que estamos fazendo em torno desses objetos pretendidos.
Na
medida em que colocamos definitivamente em prática os objetivos ambicionados,
isto é, tornarmo-nos semelhantes àquilo em que acreditamos, ou adquirimos os
produtos almejados, automaticamente, outras lacunas são despertadas e novas
soluções surgem na imaginação.
É
comum em certos rituais como o casamento, talvez fruto de um namoro que durou
algum tempo, certa distância segura do sonho imaginado de ambos, isto é, não
tentam colocar em pratica os ideais imaginados. Assim, durante essa fase, uma
bolha imaginária de um lar feliz alimenta o casal antes do encontro definitivo,
mas após a realização do evento, os anos seguintes podem ser de angústias e
brigas, geradas, talvez, por não se acreditar mais em novas promessas.
Nesse
sentido, o que passou a prevalecer na relação do casal foram os elementos
antagônicos. E, por causa da descrença entre ambos em ideais compartilhados, as
bolhas imaginárias e encantadoras se enfraqueceram e deixaram transparecer uma
realidade incômoda e desgastante de obrigações entre ambos.
A
ausência de novos objetos desejados e compartilhados pelos amantes, como um
apartamento ideal, um carro dos sonhos, viagens inesquecíveis, filhos
adoráveis, fez com que a rotina diária e empobrecida de encantos viesse a tomar
frente nas ações.
Assim,
as ações cotidianas não conseguiram incluir em uma só bolha imaginária o sonho
de ambos, sendo dois horizontes opostos despertados, e a cada dia as ações ou
compromissos se encarregaram de abrir o abismo na relação construída pelo
casamento.
Ideais
imaginários se somam quando se estabelecem certas hierarquias de desejos, por
exemplo, neste ano vamos viajar e no outro vamos começar a pagar um
apartamento, e assim por diante. Cada passo corresponde a um estímulo de
atração para a busca de algo que possa servir de ponte entre a situação em que
nos encontramos e as soluções ideais, funcionando como forma de tatear o
contexto em que estamos pisando à procura das condições imaginadas como
preferidas.
Sendo
assim, o que fazemos no cotidiano são ações semelhantes às do cego, pois como
desconhecemos o que poderá nos acontecer no momento seguinte, ficamos
constantemente explorando o contexto à nossa volta pela visão, olfato, com
perguntas como: o que está acontecendo? Para onde vou? O que devo fazer?
No
entanto, essas indagações tateantes na maioria das vezes são ações reais, isto
é, “farei isso ou aquilo e vamos ver o que acontece”. O cotidiano torna-se
laboratório de experimentos e as próprias pessoas se fazem de cobaias, cujos
resultados podem provocar sequelas ou até mortes.
E para
evitar que nos tornemos bodes expiatórios de empreendimentos próprios, temos
que aprender a circular numa distância segura de certos ideais de perfeição, ou
seja, seguir alguns ditados populares: “Não vá com muita sede ao pote”; “O
telhado é de vidro”; “Estamos pisando em ovos”.
Isso
ocorre porque estamos trabalhando com base em projeções, cujo desenrolar dos
acontecimentos depende da participação de outros elementos que não podemos
controlar e de nós mesmos, e por encontrarmo-nos presentes na realidade, nossa
visão é distorcida, já que não temos a totalidade para agir objetivamente.
Fazemos parte de uma
realidade construída na maioria das vezes a partir das ausências, isto é,
aquilo que nos falta pode servir para abrir horizontes e até estruturar ou
justificar ações cotidianas de curto prazo. Nesse sentido, muitas pessoas não
conseguem se livrar de rotinas fatigantes, pois orbitam frequentemente em torno
de problemas crônicos.
De
outro lado, também podemos circular ao redor de sonhos ou fantasias que nos
incitam a lutar com fundamentações elaboradas em visões múltiplas geradas pelos
ideais, já que com esses, por serem virtuais, podemos abusar das possibilidades
e abstrações. Desse modo, investimos em aparências que possam transmitir a
sensação de que estamos protegidos pela força das metas desejadas. E nesse
aspecto há vantagens em circularmos os objetos de desejo positivos, pois eles
funcionam como elementos estimuladores de ações cujo poder expansionista sobre
conceitos projetam novas intencionalidades nas práticas concretas.
Quando
permanecemos ao redor de pessoas que amamos, respeitamos, e nas quais
acreditamos, ou somos rodeados por elas, de certo modo criamos uma rede de
proteção capaz de irradiar coragem a elas e ao mesmo tempo de animá-las a
prosseguir rumo aos objetivos traçados. Nesse caminho está a valorização do
trabalho em equipe e das redes sociais.
Tal
mecanismo de proteção exige do indivíduo certos movimentos, por exemplo:
clicar, piscar, gritar, cantar, dançar, falar, sorrir, entre outros. Dessa
maneira, assegura-se o vínculo para permanecer mergulhado na “bolha”[2],
abrigado por um envoltório de confiança que impede a invasão de elementos
contrários ou críticos àqueles já incorporados.
Quando
conseguimos adentrar em uma dessas bolhas, sentimo-nos sacudidos por sensações
prazerosas e tendemos a fazer com que ela nos acompanhe em outros lugares, tais
como a casa, o lazer e o trabalho. Assim, aqueles que conseguem isso são
reconhecidos por agirem de forma semelhante em diversos ambientes que
frequentam. Vejamos: “O Pedro está sempre sorrindo”; “Joana está cada dia mais
animada”; “Nunca vemos o Paulo reclamar de nada na empresa”; “A Mônica sempre
nos atende com um sorriso”; “Com o Júlio não tem dia triste no trabalho”; “O
Fernando é a alegria da festa”.
Pessoas
com essas características geralmente gostam muito do que fazem, acreditam que
estão realizando seus sonhos e, por isso, brilham nos ambientes em que se
encontram. De algum modo, procuram não se afastar de suas metas, perseguem e
circulam objetos de desejo, mesmo que estejam distantes.
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