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sexta-feira, 14 de março de 2014

Máquinas e Esforço Humano: A Libertação do Corpo, da Mente e da Própria Máquina

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     Algumas preocupações dos dias de hoje nos despertam para uma busca e, ao mesmo tempo, despertam o diálogo necessário entre épocas passadas e inquietações do presente. O fato de enfrentarmos questões tão complexas em todas as áreas do conhecimento no mundo atual, cujas comunicações quebraram as barreiras físicas e destruíram as certezas, desencadearam novas fronteiras para os indivíduos e seus sonhos. (Introdução do Livro: Uma Breve História dos Elementos que nos orientam).
      O mundo atual das incertezas e dos acasos direciona indivíduos para campos mesclados entre leis divinas, contextos artificiais, naturais, circunstâncias e vontades humanas livres. Felicidades e deleites, incorporadas ao tempo da instantaneidade, mas sobreposto a elementos de moralidade. A aventura do desejo humano em meio a caos e ordem, horror e alegria. (Introdução do Livro: Uma Breve História dos Elementos que nos orientam).
Máquinas e Esforço Humano: A Libertação do Corpo, da Mente e da Própria Máquina

A primeira e mais característica –
que vitaliza todas – é a de trazer
à tona e sustentar um sentido de
 espanto diante do mistério
 da existência[1]
E se forem apenas as próprias
exceções que criam, retrospectivamente,
a ilusão da “norma” que elas
supostamente violam?[2]

     Na época atual, cujos avanços tecnológicos tentam modificar a história da humanidade e envolver a participação de todos em confrontos diretos, com indagações que abrangem desde a identidade pessoal e a dignidade humana até as questões de avanços na área da biogenética, levantam-se aspectos interessantes, rumo aos princípios que nos apontam direções no século XXI, vejamos essas preocupações nas palavras de Žižek:
hoje vivemos uma época extremamente interessante, na qual uma das principais consequências de avanços como a biogenética, a clonagem, a inteligência artificial e outros é que, talvez pela primeira vez na história da humanidade, temos uma situação em que o que eram problemas filosóficos são agora problemas que dizem respeito a todos (...) confrontam–nos diretamente com perguntas referentes ao livre–arbítrio, à ideia de natureza e do ser natural e à identidade pessoal (...) certas perguntas - tais como o que é a dignidade humana, onde fica a responsabilidade moral, e outras similares – que tradicionalmente, eram indagações filosóficas. (ŽIŽEK, 2006, p. 70)
Preocupações como o livre-arbítrio em uma sociedade dominada por uma comunicação complexa de diversos aparelhos criados para facilitar a circulação de mensagens entre pessoas e, ao mesmo tempo, orientá-las nas ações cotidianas. Neste sentido, surge uma atmosfera de dúvidas e incertezas quanto ao caminho que devemos seguir frente a inúmeras sugestões proporcionadas por uma teia de saberes, advindas das novas tecnologias.            Desse modo, temos o encontro de uma herança baseada na visão positivista do progresso linear, que carrega uma ótica cultural evolucionista, cuja leitura de épocas passadas ou fatos também foram, em sua maioria, frutos desta visão de linearidades, cujas interpretações apontavam direções com bases em etapas anteriores. Segundo Gruzinski:
A complexidade desses fenômenos adapta-se mal a uma herança positivista que alimenta uma visão do tempo baseada na linearidade. A noção de cultura nasceu numa ótica evolucionista, que por muito tempo impregnou a história. Com frequência os historiadores tenderam a ler as épocas passadas como fruto de um movimento linear, de uma evolução, até mesmo de uma progressão ou de um progresso. Como se, a cada vez, uma nova etapa devesse supostamente desenvolver forças que estariam contidas, em gestação, nas etapas anteriores (...) esse tempo linear carrega a sempiterna questão das origens, que, por sua vez, implica a ideia de uma autenticidade ou de uma pureza passada a ser reencontrada. (GRUZINSKI, 2001, p. 58)
E com orientações nos supostos sucessos de etapas obtidas anteriormente, prosseguiam-se com apontamentos de direções futuras. Assim, a presença de determinados valores orientavam, dentro de uma suposta linearidade que deveria ser construída com base em certas origens ou purezas a serem novamente buscadas.
    Todas essas orientações de direções organizadas linearmente pelas sociedades foram sacudidas com os avanços da comunicação nas décadas finais do século XX e início deste século. As novas tecnologias fizeram com que o mercado se transformasse em mediador das demandas políticas e culturais a partir das mídias, que criaram novos modos de percepções, sensibilidades, linguagens e escritas. De acordo com Barbero[3], as novas tecnologias provocaram certo embaraço nas fronteiras entre razão e imaginação:
O que estamos tentados a pensar seria que de um lado, temos a hegemonia de uma comunicação de mercado sobre a sociedade: a comunicação convertida no motor mais eficaz para soltar a inserção das culturas – étnicas-nacionais e locais – em espaço/tempo do mercado e das tecnologias globalizadas. Pois o que é fatalismo tecnológico acaba legitimando a onipresença mediadora do mercado. E com ela a perversão do sentido das demandas políticas e culturais que encontram de algum modo expressão nos meios de comunicação, depois deslegitimarem de qualquer questionamento de ordem social sobre mercado e das tecnologias que oferecem formas (...) pois a tecnologia absorve hoje não só as novas máquinas ou aparatos dos novos modos de percepção e de linguagem, até novas sensibilidades e escritas. Radicalizando a experiência de desarranjo produzida pela modernidade, a tecnologia desloca os saberes modificando tanto o estatuto cognitivo quanto o institucional das condições do saber e das figuras da razão, o que conduz a um forte borrão das fronteiras entre razão e imaginação, natural e artificial, arte e ciência, saber e experiência profana. (MARTÍN-BARBERO, 2002, p. 32-33)
De outro lado, os seres humanos, que foram capacitados com certa autonomia para conduzirem suas vidas durante a evolução biológica, mas que, para buscar soluções que pudessem aliviar o esforço físico e ainda produzir mais, inventaram máquinas que, ao longo do tempo, ganharam cada vez mais autonomia, dando liberdade aos homens, principalmente em trabalhos pesados e perigosos, e, ao mesmo tempo, facilitando a comunicação entre pessoas ao eliminar as barreiras físicas.
    Todas essas facilidades não deixaram de trazer outras implicações, dentre elas, a dependência homem–máquina. Tal ferramenta evoluiu e continua a se desenvolver nas sociedades de hoje, mesclando-se cada vez mais com outros campos da pesquisa tecnológica: robótica, cibernética, biogenética e outras. Sobre a evolução das máquinas e a evolução biológica humana, ficamos com a seguinte análise de Morin:
A história das máquinas é a da autonomia crescente delas. Pode–se comparar a evolução do maquinismo com a evolução biológica, mas a primeira diferença consiste em que, para as máquinas, o demiurgo é muito nitidamente identificado: a trindade humana.
Outra diferença é que a vida se desenvolveu a partir de uma autonomia primeira. O desenvolvimento das máquinas partiu de uma dependência total, a do instrumento. A história humana gerou máquinas relativamente autônomas, a fim de aumentar-lhes a utilidade, aliviando o homem do trabalho. A autonomia delas deu, recentemente, um grande salto evolutivo, com os nascimentos, quase simultâneos, seguidos imediatamente por uma conjugação, da teoria da informação, da cibernética e do computador. Os progressos dos computadores tornam as máquinas cada vez mais capazes de autocomportar-se e de autopilotar-se, a partir, claro, de programas estabelecidos pelos seres humanos. (MORIN, 2007, p. 245)
A direção apontada pelas máquinas, segundo Morin, estabelece-se em duas fronteiras, sendo uma delas o caminho da inteligência artificial, estudos e pesquisas que já desenvolveram computadores capazes, em alguns aspectos, principalmente na velocidade de cálculos, de superar o cérebro humano. De outro lado, as máquinas assinalam-se na direção da auto-organização, isto é, da autonomia em relação à produção da própria energia que as alimenta:
A evolução das maquinas segue em duas direções.
A primeira é a do desenvolvimento da inteligência artificial. Programas capazes de evoluir e de complexificar-se em função da experiência estão em estudo, assim como computadores “neuronais”, próximos do cérebro pela complexidade, mas superiores em poder de cálculo (...) A segunda direção é a da auto-organização das maquinas. Estão em teste autômatos que se alimentariam de energia por si mesmos, adquirindo assim uma nova autonomia. (MORIN, 2007, p. 245-246)
Neste sentido, temos uma direção que nos atrai para a produção, no futuro, de máquinas que possam cada vez mais imitar a ação humana e talvez, em algum sentido, produzir com mais qualidade novas ferramentas e serviços. E ainda, no mesmo rumo, a ideia de que as máquinas do futuro poderão ganhar autonomia e se libertarem, sendo capazes de auto-alimentação.







[1]  Campbell, Mitologia Ocidental, p. 419.
[2] Žižek, Arriscar o Impossível, p. 69.
[3] Lo que estamos intentando pensar entonces es, de um lado, la hegemonia comunicacional del mercado em la sociedade: La comunicación convertida en el más eficaz motor del desenganche e inserción de las culturas – étnicas, nacionales o locales – en el espacio/tempo del mercado y las tecnologías globales. Pueslo que el fatalismo tecnológico acaba legitimando es la omnipresencia mediadora  del mercado. Y con ella la perversión del sentido de las demandas políticas y cuturales que encuentran de algún modo expresión em los médios, además de  la deslegitimación de cualquier cuestionamiento de un orden social al que solo el mercado e las tecnlogías permitirían darse forma. (...) pues la tecnologia remite hoy no a nuevas máquinas o aparatos sino a nuevos modos de percepción y de lenguage, a nuevas sensibilidades y escrituras. Radicalizando la experiência de des-anclaje producida por la modernidade, la tecnologia deslocaliza los saberes modificando tanto el estatuto cognitivo como institucional de las  condiciones del saber y las figuras de la razón, lo que está conduciendo a um fuerte emborronamiento de las fronteras entre razón e imagición, saber e información, naturaleza y artificio, arte y ciência, saber experto y experiencia profana. (MARTÍN-BARBERO, 2002, p.32-33). 

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