Joaquim Luiz Nogueira
“No momento que você
aceitar que
não é possível lutar dos dois lados ao mesmo tempo,
você perdeu sua alma”. Slavoj ZIZEK
– Feira de Frankfurt 2023
Texto inspirado pela leitura da tese abaixo " uma pesquisa sobre Moradores de Rua": de:
Costa, Cleylton Rodrigues da.
"A rua educa": Pedagogia da resistência, sobrevivência e
educabilidades de pessoas em situação de rua em Mossoró/RN / Cleylton Rodrigues
da Costa. - Natal, 2023. 160 f.: il.
Nos últimos anos, trabalhar na
escola de uma rede pública no Brasil, significa uma luta para a sobrevivência,
cujo lema, inclui a necessidade de organizar o espaço para obter êxito em sua
prática, isto é, mudar constantemente, assim que as trocas ou combinados comecem
a ficar frágeis. As práticas escolares são sempre atividades situadas, já que dependem
de situações do momento ou das circunstâncias, pois são demarcadas simbolicamente
por localidades de ocupação da comunidade escolar de acordo com o sentido que
elas dão em suas formas de interpretações, ou seja, as coisas que valem para
suas casas, ruas e demais lugares, dão sentido e ganham a representatividade
para atuar de maneira semelhante.
Estudantes e seus familiares apresentam
flexibilidades temporais e, direcionam os tempos de acordo com suas práticas de
liberdade para obterem sustentos necessários à sua sobrevivência. As gramáticas
das comunidades também exemplificam as práticas produzidas por eles nos espaços
escolares quanto as estratégias e normas aprendidas e adquiridas nos espaços em
que vivem.
As maneiras encontradas de
como sobreviver passam por variedades e flexibilidades e vão depender das suas reais
necessidades diante do que precisam do espaço escolar e do tempo em que se
encontram no momento. Suas vidas se conjugam, (ligam, unem, associam) inevitavelmente,
a vida escolar, as ruas, e com a dos outros moradores da comunidade.
Trata se de uma vida em busca
de vínculos, seja com pessoas ou com a escola, pois tais vínculos asseguram e
contribuem para suavizar sentimentos diversos, entre eles, busca de atenção, amparo
a solidão e a constante insegurança. A saída
na maioria das vezes se encontra na capacidade de se flexionar (adquirir forma
diferente) que faz refletir a diversidade de estratégias de sobrevivência dos
estudantes e de seus familiares.
Uma das estratégias usadas por
estudantes e seus responsáveis está no uso do conflito como um mecanismo para
organizar um todo desorganizado, no qual, as contradições coletadas oferecem
outras saídas para os problemas cotidianos. Neste cenário, as crises sociais
(fome, desigualdade, saúde, educação) significam a ausência da interação e de organização
em suas vidas, ou seja, são fenômenos que escancaram cada vez mais as
problemáticas e as patologias sociais. Assim, quando os problemas se tornam permanentes,
passam a justificar o desempenho e o comportamento dos estudantes na escola.
A conscientização de
estudantes e familiares em situações de vulneráveis no sentido de aprender conteúdos
das disciplinas perdem espaços para a urgência do viver, beber e comer. A
escola tem de compreender o pensar e a forma de viver de sua comunidade, a
interpretação dos territórios e os sentidos expressados, assim como, os sonhos construídos
junto aos desejos e medos, logo, todas as coisas escondem uma outra coisa.
Nos últimos anos pós-pandemia
(COVID 19) o medo se intensificou entre as comunidades escolares, isto é,
passou a ser vivido, neste aspecto as pessoas permanecem a todo momento
buscando se proteger diante de qualquer ameaça real ou imaginária e os
comportamentos oscilam entre abandono de tudo ou certa agressividade constante.
A escola enquanto instituição
de ensino e aprendizagem passa a se constituir também como local de reabilitação
forçada de estudantes com depressão, crise do pânico, esquizofrenia, autistas, deficientes
intelectuais, entre outros. A forma como este processo ocorre a partir da
legislação e sem mudanças nas estruturas físicas e humanas, coloca os
estudantes vulneráveis e suas famílias dentro de um processo em que a escola
não está preparada para atender de forma satisfatória, inviabilizando o
processo da instituição.
No entanto, torna se difícil ou
não é possível modificar comportamento de uma classe tão rapidamente, tendo que
educá-los em relação aos seus hábitos e costumes, até vícios vividos por alguns,
para refazer todo o comportamento de uma turma ou da escola para acolher,
conviver e permanecer com o diferente.
Há uma necessidade de aprender
novas táticas para sobreviver dentro da escola e enfrentar o viver do pós -
Covid-19, Os estudantes e seus familiares como vulneráveis passaram por
diversos fracassos e se constituíram como parte de uma sociedade que não deu
certo enquanto espaços de (moradia, emprego, saúde, educação). Uma crise que a pandemia
escancarou e só agravou os problemas já existentes, levando a condição humana para
novos aprendizados, numa busca de ser mais, acrescentando mais multiplicidade ao
comportamento.
Neste contexto pós-pandemia,
os estudantes e familiares tem como lema não desistir, lutar e resistir contra
uma estrutura de sociedade e comunidade que precariza suas vidas,
principalmente quando buscam sobrevivência, trabalho e resistência. As
comunidades vulneráveis compactuam com a escola uma transferência de saberes,
experiências e práticas de aprendizagem, usadas para se manterem vivos, elementos
que são resultados de múltiplos processos enquanto atores de diversas estratégias
de sobrevivência e de diversas produções de conhecimento.
A escola produz socialização e,
desta forma, educação, isto é, uma tarefa de reflexão dialógica para pensar a
função da instituição. A comunidade vulnerável como produtora de outros saberes
e práticas de anunciação para uma outra pedagogia, advinda do espaço em que
eles habitam, constroem e destroem, lugar de vivência e sobrevivência.
Perceber as várias formas de
interpretar os espaços de vivencias, das trocas físicas e simbólicas
necessárias para a condução de suas vidas nestes lugares. Compreender como se constroem
as diversas formas de ser, muitas delas relacionadas a suas leituras de si e do
mundo em constante mudanças de casas bairros, regiões e até cidades. Neste
aspecto podemos aprender novos modos de ser, conviver e de ensinar, pois a
situação de vulnerabilidade nos leva para um fenômeno que também nos obriga a
construir um novo conjunto de saberes não escolares, não curriculares, mas
necessário para aprendizagem daqueles que trabalham e dependem do salário para
sobreviver em uma escola.
A pedagogia da sobrevivência aponta
para um processo de ensino-aprendizagem que está além do currículo e dos
documentos escolares e universitários. Trata-se de compreender códigos e
símbolos usados pela comunidade escolar vulnerável para que não morram de fome ao
ter que viver em situações de risco. Aprender
com a experiência dos sujeitos vulneráveis, a sabedoria tocada pelo
acontecimento real, aquele que produz o novo sentido de estar no mundo segundo
a lógica do imprevisível, oculto, líquido e contingente.
Os saberes desta pedagogia da sobrevivência
passam por códigos que compõem o currículo de sobrevivência nas periferias
urbanas, reconstruído diariamente, sem medida provisória ou decreto legal, mas
por situações corriqueiras, por sujeitos históricos e suas localidades. Nestes
espaços temos uma relação pendular de amor e ódio pela vulnerabilidade, de
solidão e solidariedade, de morrer e viver que constrói o sujeito de múltiplas
aprendizagens dentro da vulnerabilidade.
Compreender esta pedagogia da sobrevivência
significa perceber na vulnerabilidade o que existe e deve existir dentro das
salas de aula, ou seja, é o que tanto se fala de ensinar e aprender. Trata-se do
sujeito que vive por meio dos processos de reciprocidade, isto é, constroem os
seus saberes, suas habilidades e suas competências cotidianamente de maneira
espacial, simbólica, histórica e situacional.
A primeira preocupação de
estudantes e familiares vulneráveis é a forma de viver, é daí que se aprende o
que fazer ou não fazer nos lugares que frequentam diariamente. O segundo
objetivo é de permanecer vivo, isto reflete sobre o que ele deve fazer ou não
fazer para obter comida, saciar a sede e não ser agredido ou morto. Existir na
vulnerabilidade significa aprender ações e reflexões diariamente durante o
percurso de situações, contextos e grupos dos diversos lugares que frequentam.
É na heterogeneidade da vulnerabilidade
que nos permite perceber a diversidade de viver na vulnerabilidade. Portanto, temos
as famílias que preferem viver na e da vulnerabilidade e aquelas que precisam
ou querem sair da vulnerabilidade. E outras que gostam da vulnerabilidade, mas
também há aquelas que odeiam o espaço em que vivem.
Muitos vivem em situações de vulnerabilidade
é ao mesmo tempo provam a dura desigualdade social e a ausência do Estado e
mesmo assim permanecem aberto à relação com o outro. Trata-se de uma pedagogia
de sobrevivência crítica e reflexiva para lutar e existir contra a estrutura e
sobreviver apesar da ausência do Estado.