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sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Escola da Barbylandia

 


Joaquim Luiz Nogueira 


“Sucesso é a melhor vingança”.
Renfield: Dando Sangue pelo Chefe (filme)

Nesta teoria da barbylandia, cada um dos dias letivos ou não letivos, são todos os melhores, assim como, o ontem e o amanhã, ambos até a eternidade, serão dias maravilhosos. Desse modo, as pessoas só têm um final, isto é, seguir as ideias fixas que vivem para sempre.

Assim como a Barbie pode ser tudo, na escola da barylandia, também podemos ser qualquer coisa: professor, diretor, coordenador, psicólogo, psicanalistas, conselheiros, pacificadores, patologistas, segurança, competentes, habilidosos, eficientes, loucos, voluntários etc. 

Segundo a pedagogia da Barbylandia, somos vendedores de sonhos, imaginação e brilhos. Neste espaço os estudantes são acolhidos de acordo com a sua capacidade de sonhar e de imaginar desde já, as diversas maneiras de como podem construir o futuro para brilhar em suas carreiras profissionais.

Viver a realidade na escola é algo impossível, pois as pessoas terão de aprender a chorar, a reclamar, criticar, cobrar, apontar erros e outras saídas para os problemas. Se continuar neste ritmo, primeiro vai cair lágrimas e depois desmorona o mundo ideal.

 

Na pedagogia barbyana, o fato de ninguém estar apto a tomar decisões, transforma todos os dias letivos em um verdadeiro spar para o cérebro de quem trabalha na escola. Os conteúdos, as atividades, as normas de convivência, o que fazer hoje e amanhã já chegam todos decididos, decretados, portanto, é só alegria.

Neste aspecto, todos temos que ser avaliados com conceitos extraordinários, competentes e habilidosos. Mas, de alguma forma, parece que ainda temos o sentimento de que estamos fazendo algo errado, pois a realidade sempre nos assusta e provoca medo.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Pedagogia da sobrevivência: o mundo real e a teoria política

 


                                                                                                       Joaquim Luiz Nogueira 

“No momento que você aceitar que
não é possível lutar dos dois lados ao mesmo tempo,
 você perdeu sua alma”.  Slavoj ZIZEK
– Feira de Frankfurt 2023

 Texto inspirado pela leitura da tese abaixo " uma pesquisa sobre Moradores de Rua": de:

Costa, Cleylton Rodrigues da. "A rua educa": Pedagogia da resistência, sobrevivência e educabilidades de pessoas em situação de rua em Mossoró/RN / Cleylton Rodrigues da Costa. - Natal, 2023. 160 f.: il.    

Nos últimos anos, trabalhar na escola de uma rede pública no Brasil, significa uma luta para a sobrevivência, cujo lema, inclui a necessidade de organizar o espaço para obter êxito em sua prática, isto é, mudar constantemente, assim que as trocas ou combinados comecem a ficar frágeis. As práticas escolares são sempre atividades situadas, já que dependem de situações do momento ou das circunstâncias, pois são demarcadas simbolicamente por localidades de ocupação da comunidade escolar de acordo com o sentido que elas dão em suas formas de interpretações, ou seja, as coisas que valem para suas casas, ruas e demais lugares, dão sentido e ganham a representatividade para atuar de maneira semelhante.

Estudantes e seus familiares apresentam flexibilidades temporais e, direcionam os tempos de acordo com suas práticas de liberdade para obterem sustentos necessários à sua sobrevivência. As gramáticas das comunidades também exemplificam as práticas produzidas por eles nos espaços escolares quanto as estratégias e normas aprendidas e adquiridas nos espaços em que vivem.

As maneiras encontradas de como sobreviver passam por variedades e flexibilidades e vão depender das suas reais necessidades diante do que precisam do espaço escolar e do tempo em que se encontram no momento. Suas vidas se conjugam, (ligam, unem, associam) inevitavelmente, a vida escolar, as ruas, e com a dos outros moradores da comunidade.  

Trata se de uma vida em busca de vínculos, seja com pessoas ou com a escola, pois tais vínculos asseguram e contribuem para suavizar sentimentos diversos, entre eles, busca de atenção, amparo a solidão e a constante insegurança.  A saída na maioria das vezes se encontra na capacidade de se flexionar (adquirir forma diferente) que faz refletir a diversidade de estratégias de sobrevivência dos estudantes e de seus familiares.

Uma das estratégias usadas por estudantes e seus responsáveis está no uso do conflito como um mecanismo para organizar um todo desorganizado, no qual, as contradições coletadas oferecem outras saídas para os problemas cotidianos. Neste cenário, as crises sociais (fome, desigualdade, saúde, educação) significam a ausência da interação e de organização em suas vidas, ou seja, são fenômenos que escancaram cada vez mais as problemáticas e as patologias sociais. Assim, quando os problemas se tornam permanentes, passam a justificar o desempenho e o comportamento dos estudantes na escola.

 

A conscientização de estudantes e familiares em situações de vulneráveis no sentido de aprender conteúdos das disciplinas perdem espaços para a urgência do viver, beber e comer. A escola tem de compreender o pensar e a forma de viver de sua comunidade, a interpretação dos territórios e os sentidos expressados, assim como, os sonhos construídos junto aos desejos e medos, logo, todas as coisas escondem uma outra coisa.

Nos últimos anos pós-pandemia (COVID 19) o medo se intensificou entre as comunidades escolares, isto é, passou a ser vivido, neste aspecto as pessoas permanecem a todo momento buscando se proteger diante de qualquer ameaça real ou imaginária e os comportamentos oscilam entre abandono de tudo ou certa agressividade constante.  

A escola enquanto instituição de ensino e aprendizagem passa a se constituir também como local de reabilitação forçada de estudantes com depressão, crise do pânico, esquizofrenia, autistas, deficientes intelectuais, entre outros. A forma como este processo ocorre a partir da legislação e sem mudanças nas estruturas físicas e humanas, coloca os estudantes vulneráveis e suas famílias dentro de um processo em que a escola não está preparada para atender de forma satisfatória, inviabilizando o processo da instituição.

No entanto, torna se difícil ou não é possível modificar comportamento de uma classe tão rapidamente, tendo que educá-los em relação aos seus hábitos e costumes, até vícios vividos por alguns, para refazer todo o comportamento de uma turma ou da escola para acolher, conviver e permanecer com o diferente.

Há uma necessidade de aprender novas táticas para sobreviver dentro da escola e enfrentar o viver do pós - Covid-19, Os estudantes e seus familiares como vulneráveis passaram por diversos fracassos e se constituíram como parte de uma sociedade que não deu certo enquanto espaços de (moradia, emprego, saúde, educação). Uma crise que a pandemia escancarou e só agravou os problemas já existentes, levando a condição humana para novos aprendizados, numa busca de ser mais, acrescentando mais multiplicidade ao comportamento.

Neste contexto pós-pandemia, os estudantes e familiares tem como lema não desistir, lutar e resistir contra uma estrutura de sociedade e comunidade que precariza suas vidas, principalmente quando buscam sobrevivência, trabalho e resistência. As comunidades vulneráveis compactuam com a escola uma transferência de saberes, experiências e práticas de aprendizagem, usadas para se manterem vivos, elementos que são resultados de múltiplos processos enquanto atores de diversas estratégias de sobrevivência e de diversas produções de conhecimento.

A escola produz socialização e, desta forma, educação, isto é, uma tarefa de reflexão dialógica para pensar a função da instituição. A comunidade vulnerável como produtora de outros saberes e práticas de anunciação para uma outra pedagogia, advinda do espaço em que eles habitam, constroem e destroem, lugar de vivência e sobrevivência.

Perceber as várias formas de interpretar os espaços de vivencias, das trocas físicas e simbólicas necessárias para a condução de suas vidas nestes lugares. Compreender como se constroem as diversas formas de ser, muitas delas relacionadas a suas leituras de si e do mundo em constante mudanças de casas bairros, regiões e até cidades. Neste aspecto podemos aprender novos modos de ser, conviver e de ensinar, pois a situação de vulnerabilidade nos leva para um fenômeno que também nos obriga a construir um novo conjunto de saberes não escolares, não curriculares, mas necessário para aprendizagem daqueles que trabalham e dependem do salário para sobreviver em uma escola.

A pedagogia da sobrevivência aponta para um processo de ensino-aprendizagem que está além do currículo e dos documentos escolares e universitários. Trata-se de compreender códigos e símbolos usados pela comunidade escolar vulnerável para que não morram de fome ao ter que viver em situações de risco.  Aprender com a experiência dos sujeitos vulneráveis, a sabedoria tocada pelo acontecimento real, aquele que produz o novo sentido de estar no mundo segundo a lógica do imprevisível, oculto, líquido e contingente.

Os saberes desta pedagogia da sobrevivência passam por códigos que compõem o currículo de sobrevivência nas periferias urbanas, reconstruído diariamente, sem medida provisória ou decreto legal, mas por situações corriqueiras, por sujeitos históricos e suas localidades. Nestes espaços temos uma relação pendular de amor e ódio pela vulnerabilidade, de solidão e solidariedade, de morrer e viver que constrói o sujeito de múltiplas aprendizagens dentro da vulnerabilidade.

Compreender esta pedagogia da sobrevivência significa perceber na vulnerabilidade o que existe e deve existir dentro das salas de aula, ou seja, é o que tanto se fala de ensinar e aprender. Trata-se do sujeito que vive por meio dos processos de reciprocidade, isto é, constroem os seus saberes, suas habilidades e suas competências cotidianamente de maneira espacial, simbólica, histórica e situacional.

A primeira preocupação de estudantes e familiares vulneráveis é a forma de viver, é daí que se aprende o que fazer ou não fazer nos lugares que frequentam diariamente. O segundo objetivo é de permanecer vivo, isto reflete sobre o que ele deve fazer ou não fazer para obter comida, saciar a sede e não ser agredido ou morto. Existir na vulnerabilidade significa aprender ações e reflexões diariamente durante o percurso de situações, contextos e grupos dos diversos lugares que frequentam.

É na heterogeneidade da vulnerabilidade que nos permite perceber a diversidade de viver na vulnerabilidade. Portanto, temos as famílias que preferem viver na e da vulnerabilidade e aquelas que precisam ou querem sair da vulnerabilidade. E outras que gostam da vulnerabilidade, mas também há aquelas que odeiam o espaço em que vivem.

Muitos vivem em situações de vulnerabilidade é ao mesmo tempo provam a dura desigualdade social e a ausência do Estado e mesmo assim permanecem aberto à relação com o outro. Trata-se de uma pedagogia de sobrevivência crítica e reflexiva para lutar e existir contra a estrutura e sobreviver apesar da ausência do Estado.