Figura 3
As janelas de Veneza (figura 2) localizadas na parte posterior da construção possuem formas retangulares e as situadas abaixo são curvas na parte superior. E na figura 3, podemos observar que as janelas centrais do prédio da EECA têm formas retangulares e nas janelas laterais o formato de curva é o preferido. Mas, antes de continuarmos nossa análise do texto arquitetural, vejamos o que diz Floch sobre análise de imagem e objeto de sentido:
Ao abordar numa análise um texto, uma imagem ou outro objeto de sentido [...] o primeiro trabalho do especialista em semiologia é o de considerar a totalidade desse objeto de sentido e proceder à sua segmentação em um certo número de unidades ditas de manifestação. Tais unidades apresentam a vantagem de serem controláveis. [...] o especialista assegura-se de não isolar arbitrariamente este ou aquele detalhe e de sempre considerar uma parte como parte de um todo. Visto que na constituição do plano de sua manifestação, o objeto de sentido se apresenta como uma hierarquia. (tradução nossa)
Desse modo, o sentido leva-nos a olhar para título do edifício e não temos como ignorar as janelas retangulares, do tamanho de portas, que se abrem para o vazio. Essas janelas não têm sacada, o que nos leva a pressupor que a intenção do arquiteto era possibilitar a entrada de claridade e ao mesmo tempo mostrar aos cidadãos dessa época uma ação educativa urbana. Segundo Argan (1992, p. 269-270):
No vértice de tudo, portanto, está o urbanismo, porque cada ação educativa ensina a fazer a cidade e a viver civilizadamente como cidadão. Viver civilizadamente significa viver racionalmente, colocando e resolvendo cada questão em termos dialéticos. A racionalidade deve enquadrar as grandes e pequenas ações da vida: racionais devem ser a cidade em que se vive, a casa em que se mora, a mobília e os utensílios que se empregam, a roupa que se veste [...] um plano urbanístico comporta a distribuição e a coordenação de todas as funções sociais – habitação, trabalho, instrução, assistência, lazer; mas também a eliminação de tudo o que impede a circularidade e continuidade das funções.
Além da luz, acrescentemos algo que também se destaca na fachada da EECA: trata-se dos elementos ligados à natureza em forma de desenhos florais, característicos do Art Nouveau. E sobre esse estilo ornamental na arquitetura, vejamos o que fala Argan (2006, p. 189):
A arquitetura do Art Nouveau deriva em grande parte da ideologia de Morris, e assim se liga a toda a problemática da produção: móveis, alfaias, papéis de parede. Estabelece-se uma continuidade estilística entre o espaço interno e o externo, também favorecida pelas novas técnicas que, superando a relação estática tradicional, permitem que o vazio prevaleça sobre o cheio [...] cujo espaço arquitetônico é determinado a partir do interior, dos objetos e móveis.
E também no estilo Art Nouveau, estão, pendurados ao título do edifício, três pontos que interligam uma espécie de faixa decorativa em forma de flores e fitas, semelhante a papel, que o envolve e que tem origem entre as palavras “escola” e “normal” (figura 4).
Figura 4
Esse arranjo da figura 4 pode ser encontrado também em fachadas de edifícios como a do Memorial do Imigrante em São Paulo (figura 5), que parece abraçar a construção da obra a partir da inscrição “Conde do Parnahiba”, assim como nas fachadas de construções em países europeus como a Letônia (figura 6), que também receberam assimilações dos traços do Art Nouveau, isto é, laços decorativos mesclados com folhas e flores em toda a fachada.
No caso da EECA, na parte frontal do edifício e ao centro de uma quadratura do lado esquerdo e direito, em cada extremo do enunciado escrito na fachada, há um quadrado com um círculo em seu interior, que recebe pétalas para manifestar ao público a magia da natureza fazendo desabrochar flores entrelaçadas, cuja trama envolve os dizeres “escola normal”. Essas diferenças conservadas sobre a fachada podem ser esclarecidas por Morin (2005, p. 151):
Mas a manutenção das diferenças supõe igualmente a existência das forças de exclusão, de repulsão, de dissociação, sem as quais tudo se confundiria e nenhum sistema seria concebível. É preciso então que na organização sistêmica as forças de atração, as afinidades, as ligações, as comunicações, etc. predominem sobre as forças de repulsão, exclusão, dissociação, que elas inibem, contêm, controlam, enfim, virtualizam.
No final do século XIX e início do século XX no Brasil, as sociedades urbanas das grandes capitais brasileiras estavam em constantes movimentos de acomodações e reincorporações de outras culturas. E de acordo com Wataghin (2003, p. 209): “Todas as tradições podem ser desconcertadas, revolvidas, misturadas e finalmente devoradas e reincorporadas, naturalmente em pedaços [...]”.
Figura 5
Figura 6
No centro do texto “escola normal”, não consta o quadrado, apenas duas metades de uma flor, separadas por um vazio na parte superior e unidas no lado de baixo por um caule que tem como raízes flores em desenvolvimento e desabrochadas em ambas as extremidades das palavras escritas (figura 7). Elas manifestam certo percurso temático que dá ideia de espaço alimentado por elementos que já romperam algumas fronteiras e de outros que ainda necessitam de luz para vencer novas etapas.
Figura 7
Nesse sentido, pode-se falar que: “A função figurativa constitui uma categoria do pensamento imediatamente ligada à ação” (FRANCASTEL, 1993, p. 91). Trata-se de uma fachada figurativa significando que aqueles que aprenderam ensinam outros. De acordo com Floch:
É a partir da figuratividade que o enunciador pode se instalar no discurso, recuperando-se, assim, um conceito fundamental em semiótica, que é o de isotopia [...] A isotopia é um conceito fundamental, no sentido de fazer compreender como o prolongamento de uma mesma base conceitual assegura homogeneidade de uma narrativa apesar da diversidade figurativa. (tradução nossa)
Desse modo, o texto escrito se mescla com os arranjos florais para figurar que “O homem fixa o seu destino pela arquitetura e pelas obras figurativas que ele elabora do mesmo modo que pela palavra. Os signos figurativos encarnam uma certa ordem da civilização [...]” (FRANCASTEL, 1993, p. 91).
A ordem manifestada é a de que o espaço vazio superior da flor que não se fecha entre as palavras “escola” e “normal” depende dos elementos sustentadores que variam entre estágios desabrochados e aqueles que necessitam crescer para atingir estágios superiores. Assim: “A tarefa do arquiteto é projetar o ambiente, e este resulta sempre de vários elementos coordenados” (ARGAN, 2006, p. 187).
Assim, a fachada da EECA nos convida a aprender com traços de um passado clássico: “Necessidade de retomar a questão em suas raízes, de redefinir a relação primeira e essencial do homem com o mundo” (ARGAN, 2006, p. 197). Comparemos, na figura 8, os adereços junto às colunas do edifício da EECA com as colunas clássicas do mundo grego (GLANCEY, 2001, p. 78):
Figura 8
Na coluna da escola, observamos uma mescla de elementos com traços de capitéis coríntios da ordem clássica que se manifestam como folhas que brotam do centro em direção às extremidades (figura 8). E essa vegetação toca objetos circulares numa espécie de cornija e terminam com flores desabrochadas.
Para continuarmos a descrever essa fachada, temos que compreender a época de sua construção, isto é, o início do século XX. Assim, pode-se perceber que ela é carregada de traços que demonstram manifestações do desejo de passar uma ideia do desenvolvimento urbano e do dinamismo da república brasileira daquele momento. Segundo Sevcenko (1998, p. 30):
A intensidade dos contatos e das trocas internacionais promovida pela instauração do regime republicano naturalmente acelerou esse curso de transformações históricas. Na dinâmica da nova ordem, tanto ampliou-se a construção de uma consistente esfera pública, reforçada pela expansão crescente da imprensa e das oportunidades de convívio cultural, quanto se agudizaram os sentidos e valores associados ao desfrute de experiências de privacidade. [...] Esse, contudo, é o panorama ideal, na medida em que as condições históricas do país tornam tanto a participação no contexto do espaço público quanto o gozo da privacidade privilégio de poucos.
Assim, pode-se ver que a vegetação na coluna se sustenta por uma espécie de raiz logo acima da arquitrave, isto é, um tronco que aos poucos se desenvolve e irradia folhas de tamanhos que variam entre longas na parte inferior e curtas no topo, dando ideia de algo vivo e em crescimento. Traços semelhantes a essa formação do arranjo da coluna também podem ser encontrados na ferragem do interior de algumas janelas (figura 9):
Figura 9
Nessa janela (figura 9), há no centro um quadrado que manifesta o aprisionamento das raízes da árvore que sustentam os galhos e esses parecem empurrar junto ao seu desenvolvimento a estrutura do prédio da escola. Também se pode verificar que a figura central se destaca dentre outras formações situadas ao seu redor, mas que estas também mantêm pontos que ajudam na sustentação e organização dos galhos maiores. Para melhor entendimento dessa interpretação semiótica, vejamos as palavras de Greimas (apud OLIVEIRA, 2004, p. 81):
A reunião de traços heterogêneos que constitui a figura, que serve de formante por ocasião de tal leitura, levanta o problema de densidade dos traços e de sua organização. Poder-se-ia invocar aqui o conceito de pertinência para lançar um pouco de luz: poder-se-ia dizer que uma figura possui uma densidade “normal” ou, por outras palavras, que um formante figurativo é pertinente se o número de traços que reúne é mínimo, isto é, necessário e suficiente para permitir sua interpretação como representante de um objeto do mundo natural.
E para continuarmos nossa viagem pelo Art Nouveau, na figura 10 verifica-se, nos interiores de algumas janelas do prédio da EECA, uma estrutura de ferro em forma de arco que repousa sobre formas retangulares semelhante ao desenho que encontramos no prédio da Casa Franklin.
Figura 10
O estilo Art Nouveau, muito utilizado em decorações de fachadas no início do século XX no Brasil, tem sua origem na França: “Samuel Bing, americano, abriu sua loja Art Nouveau em Paris, em 1895, ela deu nome a um estilo de curta duração, mas muito expressivo, mais adequado talvez a decoração de interiores e a ilustrações do que à arquitetura” (GLANCEY, 2001, p. 166).
Desse modo, os traços do Art Nouveau podem ser vistos também nos arranjos florais das paredes da EECA (figura 11), mesclados com detalhes góticos pontiagudos dos tijolos, bem como em uma igreja, no desenho da ferragem da janela, que fecha a flor e cuja base está sobre um formato característico de coluna clássica jônica (figura 8), também usada na coluna representada à direita.
Figura 11
A sobreposição de estilos na fachada também pode ser observada na figura 12, cujo desenho dos ferros das janelas possui a forma invertida das colunas jônicas (figura 11). Na parede, há frisos horizontais e cornijas que, com as colunas que avançam para além da cobertura do prédio, carregam formas que se enquadram na arquitetura neoclássica.
Figura 12
Nesse sentido, a fachada da EECA pode ser considerada eclética, pois mescla vários estilos em sua construção arquitetônica e artística, entre eles: Art Nouveau, gótico, maneirista, clássico e neoclássico.
Referências
ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
FLOCH, Jean Marie. Formes sémiotique: identités visuelles. Paris: PUF, 1995.
______. Petites mythologies de l’oeil et de l’esprit : pour une sémiotique plastique. Paris-Amsterdan: Hadès-Benjamins, 1985.
FRANCASTEL, Pierre. A realidade figurativa. São Paulo: Perspectiva, 1993.
GLANCEY, Jonathan. História da arquitetura. São Paulo: Edições Loyola, 2001.
GREIMAS, Algirdas Julien. Dicionário de semiótica. São Paulo: Cultrix, 1981.
______. Semiótica figurativa e semiótica plástica. In: OLIVEIRA, Ana Claudia de (Org.). Semiótica plástica. São Paulo: Hacker, 2004.
MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: neurose. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.
SALIBA, Elias Thomé. A dimensão cômica da vida privada na República. In: SEVCENKO, Nicolau (Org.). História da vida privada. v.3. República: da Belle Époque à Era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 289-365.
SEVCENKO Nicolau (Org.). História da vida Privada no Brasil. República: da Belle Époque à Era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
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